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Entre o cartão e o Pix: quando o medo de gastar revela uma realidade silenciosa

Itaperuna 17 de abril de 2025



Por Flávia Pires

[…] Aquela frase dita na fila de uma famosa loja — “vou dividir o pagamento para não assustar meu marido” — não deveria ser só uma anedota cotidiana. Ela é, na verdade, um retrato sutil de algo muito mais profundo: a relação que muitas mulheres ainda têm com o dinheiro… ou melhor, com o controle do dinheiro que passa pelos olhos e julgamentos de seus parceiros.

Em pleno século XXI, ainda vemos mulheres que vivem a partir da lógica da permissão, do cuidado em não ultrapassar os limites que não foram nem mesmo acordados, mas impostos pela convivência, pela cultura ou pela dependência. É o famoso “deixa eu ajeitar isso aqui para ele não reparar”. E o mais curioso é que nem sempre há uma cobrança explícita. Muitas vezes, o controle é internalizado. A mulher antecipa o desconforto e molda suas ações em torno dele.

Mas aqui cabe um cuidado: não se trata de culpar ou envergonhar essas mulheres. Ao contrário, é reconhecer que muitas delas agem assim por estratégias de sobrevivência emocional. São mulheres que conciliam trabalho, casa, filhos, pressão estética e ainda precisam negociar seus próprios desejos com o que podem ou devem gastar — e não por não terem o dinheiro, mas por não quererem conflitos.

Por outro lado, é preciso valorizar também aquelas que conseguiram conquistar sua independência financeira e emocional. Mulheres que dividem a vida com companheiros, não com vigilantes. Que têm a liberdade de comprar um presente, fazer um agrado, planejar um mimo, sem precisar prestar contas como se estivessem em um interrogatório. E essas histórias precisam ser contadas também — como exemplo, como inspiração.

E, justiça seja feita, também há homens que entenderam a diferença entre parceria e posse. Homens que não vigiam extratos, que não cobram justificativas, que vivem relações baseadas na confiança e no diálogo. E mais: muitos desses homens sabem, inclusive, que suas mulheres fazem gestos diários de ponderação. Que pensam na casa, na família, em todos antes de pensarem nelas mesmas. E por isso mesmo não reclamam. Porque reconhecem. Porque respeitam.

Essa é uma conversa delicada, mas necessária. O dinheiro é apenas a ponta do iceberg. Ele revela o quanto ainda temos de avançar em relações mais igualitárias, onde o respeito à individualidade, inclusive financeira, seja regra — e não exceção.

A mulher da loja talvez não imagine que sua frase desencadeou tudo isso. Mas é ouvindo com sensibilidade o que parece pequeno que conseguimos escrever sobre o que é grande.

Que venham mais mulheres donas de si, inclusive das próprias escolhas — sejam elas no débito, no crédito ou no Pix.


O preço da liberdade é a eterna vigilância

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