Sequestro do voo 375: A tentativa de jogar um avião sobre o Palácio do Planalto

Itaperuna 06 de outubro de 2023

Desempregado culpava José Sarney pela crise econômica e planejava matar o então presidente, há 35 anos; Episódio embasa filme com estreia prevista para dezembro

Agentes de segurança diante do voo 375 durante sequestro em 1988 Luiz Antonio/Agência O GLOBO

A tripulação começava a servir as refeições para os 98 passageiros do voo 375 da Vasp, que deixou Belo Horizonte às 9h com destino ao Rio, quando o maranhense Raimundo Nonato da Conceição se levantou e andou até a cabine do piloto. Um comissário de bordo interceptou o viajante para dizer que aquela não era a porta do banheiro, mas o homem sacou um revólver calibre 32 e puxou o gatilho. O tripulante se esquivou de reflexo, mas o tiro atingiu seu rosto de raspão e sua orelha.

Naquela quinta-feira, 29 de setembro de 1988, há 35 anos, tinha início um sequestro dramático, que deixaria morto o co-piloto do voo e, se dependesse do autor do crime, terminaria com uma tragédia muito maior. O “plano kamikaze” de Raimundo Nonato era atirar o Boeing 737 sobre o Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, em Brasília. O objetivo do sequestrador, que acabou morrendo em condições suspeitas, era assassinar o então presidente, José Sarney.

Três décadas e meia depois, o episódio está a caminho do cinema. Com direção de Marcus Baldini, produção do Estúdio Escarlate e roteiro de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque, “Sequestro do voo 375” estreia em dezembro em salas de todo o Brasil. No elenco, atores como Jorge Paz, no papel de Nonato, e Danilo Grangheia, na pele do piloto que impediu o plano mirabolante de se concretizar. O longa-metragem foi realizado com base nas pesquisas do jornalista Constâncio Viana Coutinho, que estudou a fundo o episódio.


Comandante do voo mostra como sequestrador matou co-piloto — Foto: Luiz Antonio/Agência O GLOBO

Em 1988, o Brasil atravessava uma grave crise econômica. Recém-saído de mais de duas décadas de uma ditadura militar, um ano antes das primeiras eleições diretas para presidente da República desde 1961 e governado por um vice que assumiu após a morte de Tancredo Neves, o país penava com uma alta taxa desemprego e inflação galopante, que consumia as economia do povo.

Depois de anos trabalhando no Iraque, dirigindo trator para uma empreiteira, Raimundo Nonato, de 28 anos, estava de volta ao Brasil, mas ficara sem trabalho e viu todo o dinheiro que tinha guardado ser engolido pela inflação. Frustrado e cheio de ódio, ele embarcou no voo da Vasp armado com o revólver e mais de 90 balas como bagagem de mão. Na época, a segurança nos aeroportos era frágil. Ele não foi revistado e nem passou por um detector de metais no terminal de Confins, em Minas Gerais.

Depois de atirar no comissário, Raimundo começou a disparar em torno da maçaneta da cabine. Alguns tiros atravessaram, atingindo o painel de controle e ferindo na perna o co-piloto Ronaldo Dias, que estava de carona no voo. Temendo a queda do avião, o comandante Fernando Murilo de Lima e Silva mandou o co-piloto da viagem, Salvador Evangelista, abrir a porta. Ao mesmo tempo, enviou pelo transponder o codigo 7500, referente a “interferência ilícita”, para alertar o Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta).

O co-piloto Salvador Evangelista, morto no sequestro, com sua filha — Foto: Acervo pessoal

Raimundo entrou na cabine mandando o piloto alterar a rota para Brasília, avisando que ia jogar a aeronave sobre o Palácio do Planalto. logo em seguida, o Cindacta respondeu ao alerta, pedindo mais informações. Quando Evangelista se abaixou para responder à chamada, o sequestrador disparou um tiro na cabeça dele. Ao ver o auxiliar morto sobre seu assento, o comandante sentiu o estômago dar um nó. Eles eram amigos. Murilo era padrinho da filha de Evangelista, Wendy, de 7 anos.

O momento mais triste de todo o sequestro foi quando ele matou o Vangelis. Chorei muito. Pedi a Deus que me desse muita calma e me iluminasse para salvar todos sob minha responsabilidade. Isso me ajudou muito, me trouxe o equilíbrio necessário”, contou o comandante, em entrevista ao Blog do Acervo em 2018, quando o caso completou 30 anos. Lima e Silva morreu em 2020, aos 76 anos, na Armação de Búzios, no Estado do Rio, onde ele morava depois de se aposentar.

Mesmo com o compadre morto, o piloto se manteve calmo. Usou sua experiência e habilidade para enganar o sequestrador. Eles foram para Brasília, mas o comandante sobrevoou a capital por cima das nuvens, justamente para impedir o criminoso de localizar o Palácio do Planalto ou qualquer outro alvo em potencial. Àquela altura, dois caças da Força Aérea Brasileira (FAB) já acompanhavam o voo 375, esperando ordens para derrubar o Boeing no caso de uma aproximação perigosa.

Nonato, então, mandou Lima e Silva voar para São Paulo, mas o piloto, que já vinha alertando sobre a falta de combustível, avisou que o avião não chegaria. Foi quando, ao avistar o aeroporto de Goiânia, o comandante, desesperado com o combustível, realizou uma manobra de altíssimo risco chamada tonneau, um giro completo sobre o eixo longitudinal da aeronave. Ao ver que Raimundo continuava consciente, ele executou um mergulho em espiral de 9 mil metros, girando em parafuso. A queda livre deixou o sequestrador desacordado, e Murilo conseguiu pousar. Eram 13h daquela quinta-feira.

No solo, o criminoso recobrou a consciência antes que o comandante pudesse desarmá-lo. Começou ali a segunda fase do sequestro, que duraria mais cinco horas. Nonato liberou os feridos, mas ficou com mais de 90 reféns. Sem desistir do plano suicida, ele exigiu outra aeronave com tripulação para levá-lo a Brasília. Por volta de 18h, com um avião na pista supostamente pronto, o sequestrador saiu do Boeing cercado por Murilo e dois comissários, impossibilitando a ação de atiradores de elite.

Lima e Silva foi obrigado a entrar no outro avião, mas se assustou ao ver um agente da Polícia Federal. Houve tiroteio, e o criminoso foi baleado nas nádegas e num dos rins. Levado preso para um hospital, o criminoso estava se recuperando, mas morreu cinco dias após o sequestro, em condições que levaram a equipe médica a suspeitar de envenenamento. Um legista concluiu que Nonato morreu por anemia falciforme, doença prévia ao incidente. Mas ficou um mistério no ar.

O Globo

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