Marielle Franco: Domingos e Chiquinho Brazão são a prova que tudo no Rio de Janeiro passa pela milícia
Itaperuna 29 de março de 2024
Apontados como mandantes da morte de Marielle Franco, Domingos e Chiquinho Brazão tinham cargos de decisão e poder para sabotar a investigação.
Imediatamente, as redes foram tomadas por um imenso e acalorado debate a respeito da identidade política dos acusados de ordenar o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
A família Brazão, apontada como mandante do crime, apoiou Jair Bolsonaro de maneira fervorosa nas últimas eleições e sempre manteve relações próximas com Flávio Bolsonaro.
Chegaram a atuar em parceria na Assembleia Legislativa do Rio, a Alerj. Contudo, também é verdade que a mesma família, durante anos, atuou como cabo eleitoral para as candidaturas à presidência do PT no Rio de Janeiro.
E, ainda, é muito próxima de André Ceciliano, integrante da secretaria de Relações Institucionais do governo Lula, e de Washington Quaquá, vice-presidente nacional do partido – como o próprio Quaquá fez questão de lembrar.
Qual seria então a identidade política da família Brazão? Esquerda? Direita? Centro? Alguns diriam, com boa razão, que essa pergunta não faz sentido. O que eu concordo parcialmente!
Estas mesmas pessoas acrescentariam que a única orientação política da família Brazão é a “Família Brazão”. Isto é, que tudo que lhe interessa são apenas os objetivos do próprio clã. O resto é apenas perfumaria e alianças pragmáticas.
Há uma boa razão em dizer isso, reitero apenas para acrescentar que poderíamos e deveríamos ir além. Pois há, sim, uma identidade política em jogo, uma identidade escancarada pelas investigações da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. Uma identidade que nos remete à própria ideia original – se assim podemos concebê-la – de uma política. Explico!
Qual seria então a identidade política da família Brazão? Esquerda? Direita? Centro? Alguns diriam, com boa razão, que essa pergunta não faz sentido.
A nossa imaginação contemporânea sobre a política começa na politika grega, cuja tradução livre seria os “assuntos da Pólis”, ou seja, os assuntos da cidade, aquilo que a interessa, que a mobiliza, que a transforma.
E esse é justamente o sentido que quero acionar aqui, pois a cidade, ela própria, é politika. Sua geografia, sua arquitetura, suas instituições, a arte e as subjetividades, as próprias pessoas em si, que são “produzidas” ali.
Tudo isso é politika!
E esse é o ponto onde quero chegar.
Quando olhamos para a história da família Brazão, sua influência, para os crimes que lhe são imputados, para a forma como supostamente planejaram a morte de Marielle Franco, para as supostas motivações do crime — a ocupação e grilagem de terras –, quando olhamos para tudo isso, percebemos a existência de uma indiscernibilidade entre eles, entre o clã e a politika fluminense, a própria pólis.
E digo isso diante de um fato incontestável: a família Brazão está longe de ser um caso isolado. Qualquer pessoa minimamente familiarizada com a politika fluminense será capaz de apontar, e sem grande esforço, diversos personagens semelhantes, verdadeiros barões, mais ou menos conhecidos, mais ou menos influentes, mas ainda assim semelhantes.
A grande maioria desses personagens nutrem conexões íntimas entre si, conexões laterais, simétricas, oposições, conflitos, mas também conexões hierárquicas e assimétricas, formando uma imensa rede de barões que se estende por todo o estado e por todo o Estado.
Não por coincidência, quando olhamos para a investigação do assassinato de Marielle percebemos a presença desses personagens atuando em todos os momentos do crime, na motivação, na execução e na pavimentação da impunidade, cada qual com o seu espaço, cada qual com a sua função.
E aqui atingimos o ponto crucial dessa discussão: estamos falando de um crime, de uma execução, mas poderíamos estar falando de virtualmente qualquer outra coisa envolvendo o Rio de Janeiro. Da Polícia Civil ao Ministério Público, da segurança pública à distribuição de linhas de ônibus, da reforma de uma praça à disponibilização de um leito em um hospital público, da igreja evangélica ao samba da esquina.
Virtualmente tudo, absolutamente tudo, na politika fluminense passa pela mão desses barões.
De fato, não seria exagero nenhum dizer que eles são a própria politika fluminense, o palco, as regras do território onde a direita, a esquerda e o centro – seja lá o que isso signifique — disputam a política, isto é, as eleições.
Esse tipo de influência na política, inclusive, já foi exaustivamente denunciado, mas no fim nada acontece, tudo permanece exatamente o mesmo.
Por isso que é fundamental que se compreenda que estamos diante de
uma oportunidade única, que não se trate o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes como um crime que se encerra em si mesmo.
Ele é mais do que isso, muito mais.
Ele é um retrato ampliado dessa politika que organiza a vida no Rio de Janeiro. Com efeito, suas mortes não formam um caso isolado, eles foram, sem dúvida alguma, “apenas” duas das milhares de vítimas que essa politika fez ao longo dos últimos anos.
E estamos falando de crimes que jamais foram investigados, que se tornaram apenas uma estatística fria nos números de algum estudo sobre segurança pública.
E isso para ficarmos apenas nos assassinatos, pois também deveríamos falar sobre as torturas, sobre as extorsões, as intimidações que marcam a politika fluminense. Isto é, a vida no Rio de Janeiro.
Parafraseando o Planet Hemp, uma realidade facilmente ignorada por quem está de frente para o mar, mas de costas para a favela. A ignorância não muda a realidade de que todos nós que vivemos aqui, estamos pisando nesse solo encharcado de sangue.
O sangue de pessoas como Marielle Franco. De pessoas que não se silenciaram diante disso.
E isso está tornando cada vez mais difícil financiar investigações que mudam vidas.
A maioria dos jornais lida com isso limitando o acesso a seus trabalhos mais importantes por meio de assinaturas.
Intercept Brasil