56% das mulheres presas por furto no Rio não conseguem prisão domiciliar

Itaperuna 16 de junho de 2021

Conjur – Mesmo com os requisitos legais para a prisão domiciliar, 27% das mulheres presas em flagrante no Rio de Janeiro, entre janeiro e abril deste ano, tiveram a reclusão mantida após audiência de custódia. Entre as acusadas de furto, o índice sobe para 56%. Todas respondem por um crime que não envolve violência nem grave ameaça e são gestantes, lactantes ou têm filhos com menos de 12 anos de idade ou deficiência.

Defensoria do RJ apontou que mães de filhos pequenos seguem mantidas na prisão pela Justiça
É que mostra um levantamento da Defensoria Pública fluminense, divulgado em audiência pública no Supremo Tribunal Federal, na manhã desta terça-feira (15/6).

O dado, que integra estudo da Diretoria de Pesquisas de Acesso à Justiça da DP-RJ ainda a ser lançado, consta em memorial apresentado pela instituição na audiência pública convocada no âmbito do Habeas Corpus 165.704, relatado pelo ministro Gilmar Mendes. A iniciativa tem como objetivo debater a fiscalização do sistema penitenciário, a superlotação carcerária e a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para mães e gestantes.

Falaram pela DP-RJ Pedro Carrielo e Lúcia Helena Barros de Oliveira, defensor com atuação em Brasília e defensora responsável pela Coordenação de Defesa Criminal. Na apresentação, eles descreveram a persistência do “estado de coisas inconstitucional”, como já reconhecido pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, ao analisar os problemas do sistema carcerário.

“Segundo o estudo recente realizado pela Defensoria, 27% das mulheres encarceradas tiveram as suas prisões domiciliares negadas muito embora presentes os requisitos. Destaco ainda o alto índice da conversão de prisões em flagrante em prisão preventiva por crimes simples, como furtos de faca e sabonetes”, afirmou Lúcia Helena.

“É importante ressaltar que a Defensoria tem dados e evidências que comprovam a problemática do sistema carcerário. É preciso sermos mais firmes nas medidas reparadoras, como a questão da arquitetura penal, que permita que o sol seja para todos, e a medida da pena em dobro. É preciso que haja também mais ofertas de estudo e trabalho para essas pessoas”, completou Carrielo.

No memorial, a Defensoria Pública apresenta uma série de fatos que demonstram os problemas crônicos do sistema prisional. Pesquisa do Departamento Penitenciário Nacional aponta que 37% dos presos no Rio são provisórios. E a tendência é esse número aumentar se nada for feito. Outro relatório produzido pela instituição, de setembro de 2017 ao mesmo mês de 2019, mostra que a taxa de conversão da prisão em flagrante em preventiva nas audiências de custódia, chegava a 70%.

Entre as prisões preventivas decretadas nos últimos dois meses, destaca o documento da DP-RJ, estão as de furto de um par de chinelos, de três facas de cozinha (no valor de R$ 12,99) e de um sabonete e um creme hidratante.

Nas condenações por tráfico de drogas, ainda que em quantidades ínfimas, em casos que o réu faz jus ao benefício da redução da pena, as justificativas mais comuns para a manutenção da privação da liberdade são “o réu integrar organização criminosa” (35,84%) ou “se dedicar à atividade criminosa” (41,55%), sem qualquer fundamentação mais aprofundada. Em 94,95% dos casos, a principal testemunha é um agente de segurança.

Na apresentação, os defensores falaram também sobre a cultura do aprisionamento. Nesse sentido, destacaram as prisões decretadas por meio do reconhecimento fotográfico realizado na fase de investigação, que não tem base legal. Segundo um levantamento da DP-RJ, 58 pessoas foram presas injustamente, entre junho de 2019 e março de 2020, por causa desta prática. Oitenta por cento delas eram negras. Todas foram absolvidas.

“O sistema carcerário brasileiro é tão perverso que ele transcende à pessoa que está em situação de privação de liberdade, é algo que também machuca os familiares, os amigos, nós defensores. É preciso ter mais empatia ao analisarmos o tema, pois é inegável que há um superencarceramento acontecendo hoje no Brasil”, destacou o defensor.

Outro ponto ressaltado foi o perfil dos presos em flagrante, com 77,4% de negros. Eles também são os que mais sofrem violência ou maus tratos no momento da prisão, apontam 80% dos relatos coletados nas audiências de custódia pela DP-RJ.

“O sistema carcerário é muito precário aqui onde me encontro, no Talavera Bruce. Vivemos como animais, tanto na parte da alimentação quanto no convívio. Não temos direito a nada praticamente. O não é mais certo do que o confere, por isso venho pedir ajuda. Sabrina, 28 anos.” Este é um trecho de uma das diversas cartas que recebemos na Defensoria. Elas revelam as condições desumanas do sistema carcerário brasileiro. São relatos de homens, mulheres, pessoas negras e pobres pedindo ajuda e dizendo que elas não têm mais condições físicas e psicológicas para continuarem nas circunstâncias em que elas se encontram. Esses fatos também indicam a sistematicidade do encarceramento”, destacou Lucia Helena na audiência pública.

No que diz respeito ao encarceramento feminino, o tráfico de drogas é, atualmente, um dos principais responsáveis pelas prisões de mulheres, juntamente com o delito de furto. Entre a justificativa dos juízes para não conceder a prisão domiciliar nos casos cabíveis é que os filhos dessas mulheres poderiam ser colocados sob os cuidados de terceiros.

Os defensores concluíram com sugestões para evitar a superlotação. Entre as medidas apontadas estão a contagem proporcional da pena com base no índice de superlotação da unidade onde se cumpre pena, a declaração de inconstitucionalidade da prisão com base em reconhecimento fotográfico e a formação de protocolos interinstitucionais de prevenção e combate à tortura nos espaços de privação de liberdade. Com informações da assessoria da DP-RJ.

Fonte: Agenda do Poder

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