Reflexões de uma cantora quarentenada na madrugada!
Itaperuna 19 de março de 2021
Os olhos dela cantam com ela, o corpo faz a sintonia perfeita se acoplando em qualquer canção que ela cante.
Micheli Aguiar publicou em suas redes sociais e o blog Flávia Pires não deixou pasar e trazer para vocês a reflexão a luz da empatia.
“Saudade de cantar até ficar exausta, até a voz falhar!
Sinto saudade do medo de semitonar e desafinar, saudade do barulho ao pisar no assoalho do palco , do microfone ligado, dos musicistas anciosos, dos técnicos preocupados e atentos a tudo, dos iluminadores e maquiadores torcendo pra dar tudo certo, do garçom dizendo que posso começar, do sorriso no olhar do contratante ao me ouvir cantar.
Saudade de pedir mais Reverb e deixar o técnico louco, de esquecer de carregar a pilha do microfone, de não gritar durante o dia para preservar a voz,
de criar aquele repertório específico, dos ensaios exaustivos e as bobagem ditas neles. Das maçãs, cebolas e nebulização para reparar a voz!
Saudade dos tombos ou do salto que quebra no meio do show, dos olhares entre nós quando erramos alguma coisa na execução da canção e do trio elétrico que freia sem aviso prévio! Até dos banheiros químicos que ficam a kilometros de distância do palco e dos carnavais em que eu e a banda, executamos tudo certinho apenas na última noite!
Saudade da atmosfera mágica da coxia, da sirene anunciando o show, da ansiedade de saber se o público veio, de ouvir todos os feedback’s no dia seguinte.
Saudade das passagens de som, da bagunça no camarim, da farra nas vans, dos quitutes que nos mandam generosamente na coxia, ou do x músico do boteco, de brigar quando o contratante não quer repassar todo couvert.
Tenho saudade da microfonia, do ruído rosa, de errar a letra e improvisar, de contar as presenças e saber quanto vai dar de couvert artístico, saudade de dividir a grana em partes iguais, de todos voltarem para suas casas com a sensação de dever cumprido e felizes.
Saudade de ouvir os aplausos, da presença dos amigos que torcem por mim e do fã que nasce naquela apresentação.
Saudade do silêncio que ecoa no teatro ou no bar, enquanto a voz preenche todos os espaços, remexendo lá no fundo de alguém que me ouve.
Saudade de receber um elogio generoso e poder retribuir com meu melhor abraço!
Saudade desse amor que transborda, que não tem barreiras nem limite, do cansaço ao chegar em casa, tirar os sapatos e a maquiagem que já está derretida e me sentir plena, a mulher mais realizada do mundo, ficar acordada pilhada por horas, ainda na adrenalina tagarelando e pensando em cada execução.
Tenho saudade de rezar antes de subir, de pedir proteção aos meus Orixás, sentir o cheiro da essência, respirar profundamente e me benzer.
Saudade do frio na barriga em cantar aquela canção tão difícil, da lágrima que escorre sem deixar que o público perceba no memento de inquietude emocional, saudade de me produzir e entrar em cena, no vestido que já não me serve mais, na quarentena…”
Micheli Aguiar